Um rápido e
seguro meio de acesso às vias aéreas (VA) e o controle da ventilação
pulmonar ainda são um desafio à ciência médica, apesar de toda a
tecnologia atual.
Desde a antigüidade o ser humano sabe da importância de se preservar a via
aérea. Diz a história que Asklepíades de Bithinia (124-156 a.C.) praticou
respiração boca a boca em um indivíduo que, por já ser tido como morto,
seria incinerado, devolvendo-lhe assim a vida.(1)
Em 1543, Vesalius manteve uma porca viva através de um tubo introduzido
diretamente na traquéia, experiência repetida com um cão, perante a Royal
Society of London em 1667 por Robert Hooke, demonstrando os efeitos vitais
da ventilação sobre o animal.(2)
No que se refere à intubação endotraqueal (IT) aplicada à anestesia, foi
John Snow (1848-1924), em 1871, o primeiro a relatar seu uso em animais,
através de traqueostomia. Feito que foi estendido à prática clínica por
Trendelemburg.(2)
Desde então, a técnica de IT sofreu vários aprimoramentos, entre os quais
o uso da lâmina curva a partir da década de 1940. Com a introdução dos
relaxantes musculares, a IT torna-se um procedimento relativamente seguro
e rotineiro, chegando aos dias de hoje bem definido e universalmente
aceito. Sob o ponto de vista técnico, praticamente não houve nada de
realmente novo nesta área, apenas aperfeiçoamento das condutas e materiais
já há muito existentes. No entanto, o método de IT não é isento de sérias
complicações e falhas, além do que, para sua realização, ser necessário
equipamento especial e um adequado treinamento.
Portanto, era preciso buscar um caminho alternativo através de outros
métodos para o controle da VA, que fossem eficazes e ao mesmo tempo mais
fáceis de ser empregados e menos invasivos que os convencionais.
Há mais de 110 anos, Joseph O’Dwyer, pediatra norte-americano, obteve
sucesso ao ventilar pacientes com difteria, utilizando sua técnica de
“intubação da laringe” através de um dispositivo cônico que se adaptava
próximo à entrada da laringe. Mais tarde associou a este recurso um
sistema de ventilação artificial a fole, antes utilizado em pacientes
traqueostomizados, que fora desenvolvido por seu conterrâneo colega
cirurgião, George Fell. Este conjunto recebeu o nome de “Aparelho de
Fell-O’Dwyer” (fig. 1).
Figura 1.
Aparelho de Fell-O’Dwyer
Aparelho de Fell-O’Dwyer: 1887,
fabricado em aço niquelado com 3 ponteiras cônicas
de aço e 2 de “vulcanita”. O ar oriundo de uma sanfona de pé passava
aos pulmões
através de ponteiras graduadas que eram introduzidas na laringe.
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Na década de 1930, Leech, na tentativa de simplificar os meios de
ventilação até então disponíveis, propôs, principalmente como opção às
técnicas de IT bastante difíceis com os recursos da época, um novo método
para o controle da VA usando uma menor manipulação instrumental da
laringe. Seu dispositivo ficou conhecido como “Ampola Faríngea”, um
instrumento inovador na forma de um cilindro distensível de látex macio
acoplado a um tubo, que se adaptava ao contorno da faringe, produzindo
assim uma vedação ao seu redor.(1) Este dispositivo foi
utilizado com sucesso para ventilar pacientes em anestesias com
ciclopropano, principalmente devido à facilidade em ser introduzido na
faringe com níveis superficiais de anestesia. No entanto, perdeu seu valor
com o advento dos agentes bloqueadores neuromusculares e dos tubos
endotraqueais com balão(2) (fig. 2).
Figura 2. Ampola
Faríngea
Dispositivo desenvolvido por Leech para o controle da VA.
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Foi somente na década de 1980 que Archibald I. J. Brain (fig. 3), um
anestesiologista seguindo a mesma linha de raciocínio de Leech, desenvolve
pela primeira vez um dispositivo supraglótico de uso prático e que permite
de maneira eficaz uma continuidade aérea entre as VA inferiores e o meio
exterior. Brain denominou este novo recurso de “máscara laríngea”.(4-6)
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Figura 3. Dr.
Archie Brain - Inventor da máscara laríngea
Em 1981 fez o primeiro protótipo da ML unindo com cola um
manguito de borracha de uma máscara pediátrica nasal de Goldman a uma
ponta cortada
diagonalmente de um tubo plástico.
Vários outros protótipos com
modificações e diferentes materiais se
seguiram até 1988, quando a
ML passou a ser comercialmente
disponível.
A biblioteca da Reading Pathological Society do Royal Berkshire
Hospital (Reading, Inglaterra, UK)
guarda os remanescentes dos protótipos originais feitos na época.
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Figura 4. ML
pronta para ser utilizada |
A máscara laríngea (ML) é um tubo semicurvo, que se inicia em um conector
padrão de 15 mm e termina em uma pequena máscara com um suporte periférico
inflável, que forma uma vedação à volta da entrada laríngea. (figs. 4 e 5
a/b). Seu aprimoramento se deu a partir de exaustivos estudos anatômicos e
funcionais da laringe humana. Na época, trabalhando no Royal London
Hospital em Whitechapel (Londres, Inglaterra), Brain observou que a forma
das máscaras nasais de Goldman, utilizadas em anestesia para procedimentos
odontológicos ambulatoriais, em muito se assemelhavam aos modelos
laríngeos em gesso que vinha estudando, e que estas poderiam ser
modificadas para ser usadas diretamente sobre a laringe, ao invés do
nariz. Ao sobrepor o manguito adaptado destas máscaras nasais sobre peças
anatômicas de laringe adulta, reparou que se acoplavam de forma
satisfatória. O manguito se ajustava bem sobre os seios piriformes e os
arcos da máscara correspondiam quase exatamente à forma triangular da
hipofaringe.(4-6) Como seu objetivo era desenvolver um meio que
pudesse corrigir de forma eficiente e rápida uma via aérea obstruída,
sendo ao mesmo tempo simples e atraumático em sua colocação, Brain teve a
idéia de acoplar a essa pequena máscara nasal modificada um tubo por onde
pudesse ventilar o paciente. Após vários protótipos, utilizou pela
primeira vez a sua então “Máscara Laríngea”, no verão de 1981, em uma
herniorrafia rotineira no William Harvey Hospital em Ashford, Kent,
Inglaterra. Em 1983 introduziu um novo manguito de alto volume e baixa
pressão, que melhor se conformava às estruturas laríngeas, chegando à
forma básica da ML que persiste até hoje.(4,7) Atualmente, além
desse modelo tradicional, existem outros tipos distintos de ML com
finalidades mais específicas, entre estas a de intubação traqueal e
drenagem esofágica.
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Figura 5. ML em
posição |
A enorme vantagem da ML está no fato desta dispensar laringoscopia para
sua inserção, além da rapidez no acesso e controle da via aérea (fig. 6).
Figura 6. Etapas
da inserção da ML:
A ML é
normalmente inserida muito
rapidamente, permitindo que se estabeleça uma ventilação satisfatória
na maioria dos
casos em poucos segundos. |
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Inicialmente utilizada apenas como um recurso para ventilação em
anestesia, logo a ML foi consagrada como instrumento indispensável também
no acesso emergencial e suporte ventilatório transitório ou definitivo em
situações de via aérea difícil.
Pela sua eficácia e facilidade no uso, a ML é considerada por muitos
autores como sendo o maior desenvolvimento como recurso individual para o
manuseio da VA que surgiu nas últimas décadas.
Uma prova disso é que desde seu lançamento a ML já foi utilizada com
sucesso por mais de 150 milhões de pacientes em todo o mundo, e atualmente
50% a 80% das anestesias gerais de rotina em alguns centros europeus são
realizadas exclusivamente sob este método. A ML tem hoje suas indicações
bem definidas, sendo considerada imprescindível no arsenal médico de
rotina e principalmente na emergência.(7)
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Figura 7. máscara
laríngea reutilizável
ML - tubo semicurvo, que se inicia em um conector padrão de 15
mm e termina em uma
pequena máscara constituída por um manguito pneumático inflável.
Esterilização por autoclave.
Encontra-se disponível em
vários tamanhos, do recém-nascido ao adulto.
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Figura 8. máscara laríngea descartável
Em nosso meio, foi introduzida em 1989 e hoje se encontra em uso corrente
nos principais centros do país. A primeira divulgação pública da ML no
Brasil ocorreu durante o 39º Congresso Brasileiro de Anestesiologia, em
1992, seguida posteriormente por outras de vários autores.(8-12)
Hoje, as ML são produzidas por diversos fabricantes em borracha de
silicone especial de padrão médico ou em plásticos (fig. 7 e 8), dependendo do modelo e
indicação.
REFERÊNCIAS
1. Vaca JM, Cabal JV, Camarero EJ, Vega A. La máscara laríngea. Rev Esp
Anestesiol Reanim 1992;39:28-33.
2. Applebaum EL, Bruck DL. Tracheal intubation. WB Sauders Co.
Philadelphia, USA, 1976.
3. Leech BC. The pharyngeal bulb gasway: a new aid in cyclopropane
anesthesia. Anesth Analg 1937;16: 22-25.
4. Brain AIJ. The laryngeal mask - A new concept in airway management. Br
J Anaesth 1983;55:801.
5. Brain AIJ. Three cases of difficult intubation overcome by the
laryngeal mask airway. Anesthesia 1985;40:353-55.
6. Brain AIJ, McGhee TD, McAteer EJ et al. The laryngeal mask airway -
Development and preliminary trials of a new type of airway. Anesthesia
1985;40:356-61.
7. Brinacombe J. The advantages of the LM over the tracheal tube or
facemask: A meta-analysis. Can J Anaest 1995;42:1017-29.
8. Teles ASS, Gerez MC, Fortuna AO et al. Alterações cardiovasculares na
colocação da máscara laríngea (ML): Indução com etomidato e alfentanil.
Rev Bras Anest 1992;42:(Supl 15).
9. Lauretti GR. Máscara laríngea - Uma inovação que veio para ficar. Rev
Bras Anest 1993;43.
10. Lorenzini C. Uso da máscara laríngea: Relato de caso. Rev Bras Anest
1994;44.
11. Bello JA, Gonzaga A, Kimachi PP, Bello CN. ML em anestesia pediátrica
ambulatorial. Rev Bras Anest 1995;45(supl.19):CBA074.
12. Fortuna AO, Melhado VB, Fortuna A. Máscara Laríngea. In: Vianna PTG,
Ferez D. Atualização em Anestesiologia v. II, São Paulo, Âmbito Editores
1996.
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